sábado, 30 de abril de 2011

Intervalo

Ninguém te contou que a vida era uma merda.
pois é
nem tão simples quanto parece.
ilusões se manifestam das maneiras mais doces possíveis
e você,
calejado, cansado, conhecedor dos meandros da vida, essa puta,
ainda cai.
não há mistério nas maneiras nada sutis da vida te destruir
ela começa com mentiras suaves
e aos poucos vai te levando pro buraco
você pode até acreditar que tudo ainda vai dar certo
é isso que a vida quer
mas mantenha em mente a possibilidade de derrota
a vida não perdôa os idiotas
a vida não perdôa ninguém,
na verdade
e se você acha que pode escapar
me desculpe
mas você não passa de um imbecil da pior espécie

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre como me tornei um Dinossauro .4

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É sexta-feira à noite e eu caminho. Ou quase isso. Trafego da melhor maneira que posso do lado de dentro do passeio. Caminho lentamete, estudando cada passo, pois sei que é perigoso andar imprudentemente no meu atual estado. Eu estou naquele passeio caminhando, mas estou totalmente fora de mim. Meu nariz não para de sangrar, e, agora que reparei melhor, estou mancando um pouco, pois minha perna esquerda dói terrivelmente. É uma boa maneira de lembrar que ainda se está vivo. Entrar numa briga que você não pode ganhar. Não ganhei nada com aquela briga. A não ser a certeza de que eu ainda estava vivo. Se eu pudesse me lembrar, agora, neste momento, quem me deu essa surra dos diabos, mandaria-lhe um buquê de flores. Com um bilhetinho assim: Obrigado, seu safado, por me manter vivo, e acordado.
Demorei pra chegar em casa. E dormi como uma pedra. Na outra manhã. Eu era um outro homen.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sobre como me tornei um Dinossauro .3

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Tenho trabalhado cerca de dez horas por dia, pois não suporto ficar nesta casa vazia. Ela já levou tudo. Desmontou o quarto do nosso filho. Ela me deixou ficar com nossa cama. Com a televisão. O som. A geladeira. O fogão. O resto ela levou. Não tenho mesas ou cadeiras. Não tenho copos. Como alguém deixa um fogão pra trás mas leva todas as panelas? Eu não possuo mais a poltrona em que me sentava para ler histórias fantásticas para nosso filho. Nem a rede em que tantas vezes fodemos loucamente ou pusemos nosso filho, ainda bebê, para dormir. Não possuo mais nada que valha alguma coisa no mercado de móveis. E nem resquícios daquilo que um dia foi minha alma.

domingo, 3 de abril de 2011

Sobre como me tornei um Dinossauro .2

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Sinos de igreja e buzinas. Não sei onde estou. Só sei que é alguma porra de cidade velha e fedida onde ela deve ter me convencido a levá-la. Alguma babaquice sobre a história importante da vila na inconfidência mineira ou algo que o valha. No buteco onde estou a cerveja é terrivelmente quente e não há cadeiras ou bancos. Bebe-se em pé, encostado no balcão. Eu não a vejo. Não sei onde ela está. Então pago e saio com pressa, pois se não estou aqui com ela eu devo ter ficado mesmo maluco. E então eu a vejo. Do outro lado da rua, numa daquelas praças rídiculas de cidades do interior. Ela está lá. Beijando outro homem.
Então eu acordo.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sobre como me tornei um Dinossauro

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“Que Deus tenha piedade de sua alma.” foi a última coisa que ela disse antes de ir embora. Eu não pude dizer nada. Eu nuca sei o que dizer. Apenas me sentei e continuei exterminando todas as bebidas que pude encontrar dentro de casa.
Então, era isso. Eu estava falido. Sozinho. Desempregado. Destituído de tudo aquilo que eu pensava um dia conquistar. E, invariável e inexoravelmente, triste. Numa hora dessas é possivel pensar, até com um certo charme, em tirar a própria vida. É possível pensar em dar a volta por cima como um héroi ou coisa do tipo e conseguir tudo de volta. É possível pensar em animosidades numa tarde de domingo e reparar em como depois daquele dia ela nunca te olhou do mesmo jeito. Mas o mais provável que se faça é continuar. De um jeito ou de outro. Aguentando as pontas da melhor maneira, tentando sobreviver e não perder a sanidade, o que é quase impossível, diga-se. E arranhando as paredes em noites de angústia acompanhado de um litro de uísque barato e um disco dos Bêbados Habilidosos.
Escritores de auto-ajuda diriam pra olhar para a frente e pensar que você pode ser o que quiser. Não eu. Isso é uma grande mentira. Eu queria ser astronauta, bombeiro, cafetão, integrante da máfia italiana, caçador de recompensa. E, no entanto, sou um especialista em matar baratas, semi-viciado em inseticida, que não tem mais mulher e com quem os filhos não falam. Meus amigos se resumem a alguns bêbados de esquina, e uma amiga que não vejo há quase dois anos. Toda a minha fortuna consiste em uma casa alquebrada, de dois quartos, uma coleção de livros e discos pelos quais ninguém além de mim e meia dúzia de bebuns no mundo se interessam, e a trilhardaria quantia de seiscentos dinheiros numa caderneta de polpança que minha mulher me convenceu a fazer. Não é uma vida pra se orgulhar. Mas, diga-me com sinceridade, alguém pode realmente se orgulhar de uma vida inteira nesse mundo de merda?
Eu queria ter respondido à ela, “Deus não liga pra nós, ele tirou férias”, mas não tive coragem. Eu queria ter me ajoelhado à seus pés e pedido que ficasse, mas sei que não adiantaria. Apenas tornaria as coisas piores. Apenas faria com que ela se afastasse ainda mais rápido de mim. Pensei em ligar pra ela, com a desculpa de levar as roupas dela até seu novo lar. Mas sei que ela não me diria onde está morando. Nem com quem, o que é mais importante. Então a única coisa que fiz foi me sentar e beber. Acho que, alguém deve concordar comigo, quando se está totalmente fodido, não há muito o que fazer. Apenas olhar a merda girando no ventilador.