domingo, 16 de novembro de 2008

Microconto #2

Era um cidadão exemplar. Pagava todas as contas. Não bebia. Não fumava. Não brigava. Não trepava.
Um belo dia ele beijou o metal.
Os legistas disseram que ele não teve tempo de sentir nada.






*Macy Gray - Hound Dog*

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Existe a verdade além desta porta
E existe a verdade do lado de cá
Existem garotas singelas capazes de trazer a cerveja e fingir que gostam de John Lee
[Hooker por sua causa
Garotas que se deitariam ao seu lado
Afagando seu cabelo, quietas, enquanto Tom Waits geme no rádio
Existem garotas que não se importariam com você berrando poemas de Augusto Dos
[Anjos às três da manhã, bêbado e soturno
Garotas que saberiam exatamente a hora de ir embora
Garotas que jamais perguntariam sua idade e/ou sua rádio favorita
Elas sabem que você não ouve rádio
Existem garotas que vêm numa noite fria de inverno
Se deitam sem fazer perguntas
E vão embora, na manhã seguinte, também, sem fazer perguntas
Essas, meu amigo
Existem
Mas se você ainda não as encontrou,
Não desista
Você ainda tem uísque, blues e velhos livros malditões





*Os Mutantes - Benvinda*

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Ela me deu um beijo
E um olhar de lado
Um dedo
Pra enfiar no rabo

Ela me deu um oi
E um corpo suado
Um vinho
pra beber gelado

Ela me deu um livro
E um papel dobrado
Um telefone
Pra ligar num sábado

Ela me deu um grito
Desesperançado
Um beijo de uísque
E um adeus chapado


*Social Distortion - Reach For The Sky*

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Às vezes eu penso velhos blues
tenho a convicção da morte
Às vezes eu penso solos de guitarra
bebo muito e fumo mais ainda
ainda sou um mentiroso
alcoólatra, alcoviteiro e filho da puta
Às vezes penso que sou um velho blues
e ainda sinto falta dela




*Carlos Careqa - Garota de Guarulhos*

terça-feira, 13 de maio de 2008

Eles não sabem como é

eu nunca deixei que soubessem

Eles não sabem que choro quando leio uma história triste

Não sabem que fujo do mundo todo dentro de pedaços papel

Não sabem que a estrada, a solidão, o medo e a fuga são necessários mas quase

insuportáveis

a solidão, principalmente.

Eles nunca souberam das mortes

dos amores

e das noites em claro,

das noites de arrependimento em claro

Eles não sabem do resquício de esperança no fundo do copo

Do pôr do sol ao som d’Os Mutantes

Não sabem da verdade infinita de um cigarro pra aliviar a dor

Eles nunca souberam do medo da morte

do medo da solidão

E da certeza de que as escolhas acarretam conseqüências indevassáveis

Nunca souberam da inconsciência das escolhas

Nunca souberam dos impulsos de passar sobre uma ponte e ter a palavra SUICÍDIO gravando sua pele

O medo da morte é apenas um aperitivo que garante a vida

Cicatrizes de facas não mudam nada

A ferida

de verdade

Já existia a muito tempo




*Tom Waits - Hold On*

terça-feira, 29 de abril de 2008

fim de férias

depois de um longo período de férias resolvi botar um texto aqui.
sinto saudades do blog, inda mais depois desse fim de semana, no qual eu li e escrevi freneticamente.



São sete da noite e ela não veio hoje. Quinta feira é dia de Maria Aparecida me visitar. Não, não é minha namorada. É minha analista. Como dizem os outros médicos. É assim que eles se chamam: Médicos. Eu os chamo de guardas. Ou meganhas, ou filhos da puta, em geral. Me trancafiaram aqui dentro e dizem que sou um perigo pra sociedade. É fácil ser um perigo pra sociedade. Você deveria tentar. Não é tão divertido quanto parece, nem tão arriscado, mas é bem fácil. A única coisa que eu tive que fazer foi dar uns tiros pro alto e gritar muito. Agora pense nisso: comida de graça e ficar doidão o dia inteiro. É só você sibilar umas palavras sem nexo pra eles, revelar seu instinto assassino quando na verdade você não tem coragem de matar nem uma mosca, dizer que é afim de matar a sua mãe e quer comer a Hebe Camargo, o que, por si só, já deveria dar cadeia.

Duas vezes por dia eles vêm aqui e me dão meu santo remédio, e então eu saio pro “banho de sol”. Temos todo o tipo de malucos por aqui, e alguns espertalhões que fazem fortuna. Tem um enfermeiro que trafica uísque aqui pra dentro. Tem uma enfermeira que da a bunda no fim do corredor. Não me falta nada.

Considero o fato da minha mulher ainda vir me visitar constantemente. É um alívio poder dizer que eu a odeio, que nunca a amei, que ela é que é uma imbecil e que não devia ter mentido pra mim sobre o anticoncepcional. Ela acha que eu estou louco o que me concede impunidade e liberdade. Falo com ela que nossa filha vai se transformar numa putinha igual a ela. O que é, incondicionalmente, verdade. Ela chora e diz que me ama e que está louca pra que eu me recupere e volte pra casa. Então eu sacaneio de verdade, digo que só saio de lá se for pra matar minha mãe e enterra-la junto com Toby, meu cachorrinho que foi enterrado no nosso quintal. Ela chora, de novo.

Maria Aparecida, quando vem, tenta ser minha amiga e me consolar, diz que ela quer me ajudar, me tirar daqui, mas só poderá fazer isso se eu cooperar. Contar pra ela porque fiz aquilo. Já pensei em dizer A Verdade pra ela, mas penso que não ia adiantar, ela me acharia mais louco ainda e mandaria darem choques nas minhas bolas. Não quero tomar choques nas bolas. Os remédios me bastam.

Outro dia consegui escapar pra ala feminina. Um verdadeiro show. Certas coisas deveriam ser proibidas, até nos hospícios, uma mulher velha, parecendo o Cauby Peixoto, levantando a saia pra todo o mundo que passa, por exemplo. Mas na ala feminina encontrei Karina. Linda e loira nos seus vinte e dois aninhos. Os olhos vasados, cheguei e tentei puxar assunto, ela não respondeu. Então espalmei um peitinho, antes que algum enfermeiro se aproximasse, ela deu um sorriso bobo e meu pau quase furou a calça. Karina, tava escrito no crachá. Resolvi endoidar de vez. Os enfermeiros me trouxeram de volta, à força pra minha ala. Eu, decidi, não saio daqui enquanto não comer aquele cu. Karina há de sair comigo.




ps. Leiam "os dez pecados de Paulo Coelho", de Eloésio Paulo
ps2. Projeto Buarque Blues inde otimamente bem após primeiro ensaio

*Chico - Vou Até o Fim*