segunda-feira, 1 de março de 2010

.divagações etílico-solitárias em uma mesa do vagalume I

.para o bróder K9

Ele chegou com os amigos e se sentou. Quatro homens felizes tomando cerveja e falando sobre futebol. Ele se destacou. À vontade no mundo. Sempre me surpreendo ao ver gente à vontade no mundo. Andava com a tranquilidade de um bicho preguiça no inverno. Poupando energia. Um olhar superior de quem sabe muito. E, no entanto, ignorante e feliz. Senti inveja. Eles beberiam até onze e meia da noite. Depois entrariam em seus carros e voltariam para suas esposas. Ele tinha uma esposa, também à vontade no mundo. Eles iriam ter, se já não tivessem, um casal de filhos, que também se sentiria à vontade no mundo. Filhos que cresceriam e passariam o natal em família. Filhos que teriam outros filhos. Gente à vontade no mundo, criando mais gente à vontade no mundo. Gente que seria sempre assim. E morreriam velhinhos, de fralda geriátrica, com sorrisos babões num domingo à tarde. A família seguiria. Todos à vontade. Até que o gene da insensatez, guardado por dezenas de gerações no DNA maldito, eclodiria no filho de um deles. Um garoto que aos dezoito anos tatuaria uma fênix no ombro direito, e uma rosa na batata da perna esquerda. Ouviria Cazuza e seria liberal. Faria festinhas malditas com meninos e meninas. Um dia o gene da insensatez daria à ele um outro filho. Este não se sentiria nada à vontade no mundo. Na adolescência eclodiria o ódio do pai meio bicha. Depois, com os livros e os discos, viria a compreensão e a paz. Esse saberia de onde vem a porra toda. Entenderia, aceitaria e até se divertiria com o pai. Nunca à vontade. Nunca quieto. Nunca satisfeito. Mas o homem no bar só queria sua cerveja. Eu o olhava com um misto de inveja e tristeza. Já disseram, várias vezes, ignorância é felicidade. Mas eu não troco. Não há paz. Ainda bem.

*Rage Against The Machine - Bulls On Parade*