terça-feira, 5 de abril de 2016

A cidade me atormenta. 24x7. Andando por esquinas escusas. Me pergunto quando vou parar.

Na terceira cerveja, Mário parou. Tinha que sair do bar, pra poder fumar. Michele aguardava por ele, pacientemente, ao lado da porta. Fuçando uma sacola de lixo. Quando saiu, andando rápido, Mário assobiou, e Michele correu atrás dele.
Michele era leal. Diferente de sua homônima, a ex mulher de Mário, que até onde ele sabia poderia ter dado para o bairro todo, antes de simplesmente desaparecer, levando todo seu dinheiro. Deixou na cama uma calcinha usada. Mário deu pra Michele essa calcinha, no mesmo dia que a adotou. Toda noite, antes de dormir, Mário deixa Michele lamber suas bolas. Coisa que a anterior, sempre se recusava a fazer.

A rua, na verdade, não é uma localização geográfica. Ela é um hábito. Que frequentemente se torna um vício. Uma chaga. A rua é um estado de espírito.

Patrícia frequenta sex-shops. Nunca compra nada, mas frequentemente se distrai, admirando brinquedos. Tem uma queda especial pelos caralhos de borracha. Gosta de pensar neles assim: caralhos.
Sempre escolhe lojas distantes de sua casa, pois afinal, ninguém pode vê-la entrando ou saindo de uma dessas lojas. Ninguém pode sequer sonhar que ela pensa em caralhos. Chega em casa às quatro. No máximo. Tempo suficiente pra preparar o jantar pra ele. Torcendo cegamente pra que não seja uma daquelas noites. Em que ele vai subir em cima dela. Com as luzes, irremediavelmente apagadas.

Já sentiu o cheiro de esgoto na noite? Toma conta da cidade. Dos becos. Vielas. Mas não se engane. Ele não vem das ruas. Vem de você.

Ninguém jamais soube o que aquele cara queria. Todos olhavam pra ele com um misto de nojo e admiração. Muitos queriam ter sua coragem. Mas na real, ninguém sentia pena. Fingiam, claro. Alguns, que se diziam seus amigos, alegaram em alto e bom som, que já sabiam. Mentira. Nem mesmo ele sabia. Podia acalentar a ideia, em noites sozinhas de setembro. Mas saber mesmo, ele nunca soube. Já havia se perguntado, uma ou duas vezes que gosto o asfalto devia ter. Mas nunca descobriu. Não teve tempo. Mesmo pulando com a boca aberta, sua testa foi esmagada antes que ele pudesse sequer sentir o gosto.

Rua é uma criatura noturna. Com alta aversão à luz. Durante o dia, o que se vê são sombras. Apenas.

Quando Eric descobriu que era gay, não contou a ninguém. Foi um processo lento e doloroso, pra um garoto de doze anos, descobrir que era diferente. Seus amigos queriam ver peitos. E faziam sessões de punheta sobre uma playboy velha. Ele sempre gozava. Mas ninguém nunca soube que ele não olhava a revista.
Um dia ele contou à sua mãe que gostava de rapazes. Ela mandou que ele jamais dissesse isso de novo, “Principalmente perto do seu pai!” Eric teve medo por ela. Com o passar do tempo, ele entendeu que, afinal, estava tudo bem. Mas nunca contou à seu pai, e uma noite o velho o viu na rua, beijando outro homem. Deu uma surra nele, ali mesmo. Eric sabe que não pode mudar, mas esquece da dor dos murros do pai, quando enfia o canudo no nariz. Afinal, são apenas onze da noite, e ainda dá pra achar mais alguns clientes.

A cidade se alimenta sozinha. Um ciclo de necrofagia. Tem apetite voraz. Come carros e pessoas, sem distinção. Você já viu a cidade se alimentar. Tenho certeza. Olhe pela janela. AGORA! Viu?

Não era um grupo qualquer de jovens. Eles eram diferentes. Ou, ao menos, acreditavam que eram. Queriam, do fundo de seus corações que assim fosse. E isso já é mais do que a imensa maioria. Seus gostos eram diferentes. Suas roupas. Cabelos, quando os tinham. Tinham opiniões políticas fortes, e lutavam por altos ideais. Possuíam força de vontade férrea. Sem exceções. Caminhavam pela cidade, bebiam muito. Tinha entre dezesseis e vinte e dois anos. Brigavam às vezes, com grupos de opiniões opostas. Todos juraram amizade eterna, vez ou outra.
Dois viraram contadores. Uma é gerente em uma multinacional. Outro trabalha com segurança, e bate em adolescentes que tentam pixar muros, como ele costumava fazer. Depois de um tempo, nenhum deles voltou a se encontrar.

Enquanto a cidade se alimenta, as engrenagens se movem. Nenhum interesse passa despercebido aos olhos de mercúrio. A cidade sabe. Sempre sabe.

São precisamente 09:33 da manhã. E o teclado velho do computador emperra algumas teclas. A cerva está um pouco quente, mas é só a primeira. Cigarros às vezes queimam dedos. Está cedo ainda.
Tentei exorcizar meus fantasmas. Mas eles ainda estão ali, me encarando. Acho que eles não irão embora. Ou ainda têm outras estórias pra contar. Pego outra breja, e espero que eles falem.



As ruas são os tentáculos da cidade. Se você não tomar cuidado, eles irão te agarrar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Sobre essa tal de Serenidade

Levei tempo pra entender. Fui ensinado a rejeitar. Aceitei, durante muito tempo, que era isso que eu devia combater. Essa inquietação que me atormenta. A curiosidade. A necessidade constante de participar em mudanças inexplicáveis.
Foi-me dito que era isso que me levava pra baixo. Isso que me fazia, em noites descontroladas, beijar a sarjeta. Foi-me dito que, sem nenhuma sombra de dúvida, eu estava errado. E, fragilizado pela perda, pela solidão, pela rejeição daqueles que amo e respeito, pela posição que me foi socialmente imposta, esqueci o que sabia, e aceitei como verdade que a melhor coisa em mim era o que me destruía. Encolhi-me. Escondi-me. Fingi, na cara dura,que não era comigo. Que essa angústia que me move, não existia dentro de mim. Aceitei como um cordeiro, calar-me frente ao caos.
Até que eu entendi. Não era preciso negar essa força. Era apenas necessário, imperioso, que eu aprendesse, com urgência, os meios de conviver com ela. Que eu descobrisse as válvulas de escape corretas. Que eu voltasse a frequentar abismos, e administrasse o medo da queda, com a vontade de saltar. Era necessário, mais uma vez, lamber a lona. Ver o mundo de baixo pra cima, pra ter uma leve mudança de perspectiva. Renovar minhas forças, até pouco escondidas pelas friezas da vida, e estar disposto a encarar aquilo que se espera de mim.
A vida é uma vadia cruel e me levou cegamente pelo caminho mais largo. Não me arrependo, eu precisava caminhar um pouco lado a lado com aqueles que desprezo, pra poder entender que o outro lado da estrada ainda me espera. Que sempre é possível virar à esquerda, dar um breve telefonema, e ir buscar aquilo que te faz feliz. Não que essa tal de felicidade esteja todo dia ao meu lado, mas, ainda acredito que, com um velho caderno no colo, alguns amigos seletos, e a perspectiva de uma noite infinita, é possível chegar perto. Tão perto que até dá pra sentir o gosto.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

PROCURADO


Sujeito Implícito
do Pretérito Imperfeito
visto pela última vez
em minhas
mais
ébrias
lembranças

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Ainda guardo algum gosto de noite
no fundo da garganta

Mostro pra mim
que ainda sei os caminhos escusos
ainda encontro os mesmos
becos escuros

Sinto os mesmos cheiros na cidade
visito as mesmas portas
as mesmas
calçadas
as mesas

Ainda desconheço os sabores
daquilo que vem em embalagens bonitas
vestidos de luxo
carros importados

Ainda não sei de onde vim
mas já sei
em definitivo
sem mudanças
Pra onde vou

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Primeiro

Primeiro preciso de calma. Pra tirar de mim essa sensação de ódio.
Caminho pelas ruas becos calçadas
enxorradas
Primeiro preciso de

visualizo sozinho o mudar de cor
do semáforo
observo
bêbado atônito sórdido moribundo
o caminhar do velho perneta da madrugada da afonso pena

Primeiro preciso de um cigarro. Pra tirar de mim esse ar puro.
nasci criei-me cresci
dentro de um cano de descarga
a via que desafoga a combustão da cidade
a via que destransforma a inocência da cidade
na via que

acho no chão
na beirada da calçada
pego
guardo
sinto seu cheiro em noites mais quentes que o usual
mas não toco
não mais
nessa vida de coisas comuns
não há espaço para outras
velhas,
tardias
desculpas

Primeiro preciso de tempo. Pra tirar de mim essa sensação de eternidade.
tic
tac
dentro do peito
falta muito
ainda
tanto tempo que

primeiro preciso
de

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Beatnothing Generation

Doze anos de Silêncio
                  amebas atrofiadas em cadeiras de escritório e poltronas de TV
Jovens brigões covardes demais para admitir sua raiva
Doze anos de Medo

Uma geração inteira de zumbis
                 por isso as roupas caras
                      os sapatos da moda
                        espertofones com alto QI
Doze anos de Tédio

Uma ditadura se anunciando
em nome de deus cruel
Garotos e garotas sem transar até os 18
Doze dúzias de babacas medrosos

Um tempo de solidão
            mas eles têm 1000 amigos no facebook
Doze milhões online servers

Meu medo do futuro cresce
         quando olho as crianças
33 rotações completas
nenhum bpm no bitrate

sexta-feira, 22 de março de 2013

Não é bem o que chamam de depressão. É inquietação. É incerteza. É toda a fúria acumulada durante anos, lutando pra sair. Reneguei-me a satisfazer meu ego torpe e meus desejos insólitos. E ondas de fúria vêm me amaldiçoando. Fúria real. Quase palpável. Fúria capaz de destruir os diques frágeis que construi em mim. E tenho medo. Tenho medo das consequências disso. Quando as paredes começarem a ruir, tudo o que sair, vai ser ruim. Vai ser feio. Vai ser a soma de tudo de podre que há em mim. Minha alma nunca foi das mais limpas, mesmo. Meus atos de bondade duram um nano-segundo, se tanto. Meus arrependimentos são passageiros cadavéricos no trem de impulsividade que eu sempre fui. Irracionalidade. Raiva, muito raiva. Ódio. Real e inexorável. Tento esconder as rachaduras enquanto arranho essas palavras. Mas elas se abrem mais a cada segundo. Melhor saírem de perto. Quando a bomba explodir, não vai sobrar nenhum carinho. Pra ninguém.